O mestre do cinema nacional, indicado ao Bafta, com Wagner Mora e Rooney Mara, está no Netflix. A corrupção policial é uma praga que continua se espalhando pelo Brasil. Embora “Trash — Hope Comes from Trash” use a devastadora metáfora de um imenso aterro sanitário para abordar o caos dos agentes públicos que usam sua autoridade para cometer pequenos e grandes crimes e ganhar muito dinheiro sujo, o filme trata das interseções entre o submundo e a lei que Stephen Daldry e Christian Duurvoort exploram aqui, baseados no poderoso roteiro de Felipe Braga e Richard Curtis. Daldry, conhecido por suas indicações ao Oscar de Melhor Diretor por “Billy Elliott” (2000), “As Horas” (2002) e “O Leitor” (2008), desta vez decidiu arriscar e fazer algo assumidamente marginal, longe de ser uma preferência da Academia — sabendo também que não alcançaria o realismo de Fernando Meirelles em “Cidade de Deus” (2002) ou a crueza de Jorge Furtado em “Ilha das Flores” (1989).
Quanto ao filme de Meirelles, a edição de Elliot Graham, cheia de inserções nas quais os protagonistas têm a cumplicidade do público em explosões que os ajudam a amarrar o longo fio da história, em vários momentos lembra a de Daniel Rezende, definida pela narração indireta que guia o olhar do espectador.
A adaptação de Braga e Richard Curtis do romance para jovens adultos de mesmo nome do londrino Andy Mulligan, publicado em 2010, destaca a inocência perdida de Raphael, Gardo e Rato, um trio de amigos cujo maior desejo é sobreviver em meio ao caos de uma civilização que os despreza.
Na sequência de abertura, um homem misterioso é surpreendido por policiais militares em sua casa, um modesto apartamento na zona oeste do Rio de Janeiro, e foge por uma janela correndo o risco de cair. José Angelo carregava uma carteira de couro sintético com cento e cinquenta notas, que levou para um caminhão de lixo que passava antes de ser preso. Como você verá, esse personagem é o braço direito de Antonio Santos, um vereador candidato à prefeitura do Rio que possui um grande fundo de lodo que foi roubado por seu antecessor.
Apesar das raras aparições, as atuações dos sempre charmosos Stephen Narsesian e Wegener Moura fazem o máximo que o texto permite para desvendar o subtexto do filme, principalmente salvando a vida de três meninos das favelas que cercam um aterro sanitário. A carteira do Ângelo. O líder da quadrilha, Rafael, rapidamente suspeita do investigador de Selton Melo, Frederico, e tem razão. Aqui, Rixon Tevez, Eduardo Luis e Gabriel Weinstein roubam a cena enquanto correm por becos e se equilibram em pilares de viadutos para escapar do cerco e se reencontrar com Ho e ouvir João Clemente, tio de Se Angelo, interpretado por Nelson Javier (1941-2017).
Não há dúvida de que esse turbilhão de acontecimentos mantém o espectador em suspense por muito tempo. É obviamente difícil encontrar uma saída para os pecados de longa data do Brasil, mas Delderi e Dovert se esforçam para ir além do que se poderia esperar de dois artistas estrangeiros. O que há de bom nele e em ‘Lixo: a esperança vem do lixo’ é manter o fogo do alarme e da raiva aceso, começando por notar o carinho genuíno que essas crianças têm umas pelas outras. O seu apoio prova que o Brasil pode de facto ter falhado.
Filme: Trash — A Esperança Vem do Lixo
Direção: Stephen Daldry e Christian Duurvoort
Ano: 2014
Gêneros: Drama/Suspense
Nota: 8/10